O pequeno periquito inclinou a cabeça para o lado, naquele jeito tão particular que as aves têm, quando querem focar toda a atenção num único local. - O que estás tu a ver, com tanta atenção? – quis saber o amigo esverdeado. - Estou a olhar para a porta... – respondeu o periquito azul. Já reparaste nela? O periquito esverdeado olhou na direcção indicada, mas não encontrou nada que lhe retivesse a atenção. - ... Não vejo nada de especial... aliás, só mesmo tu é que andas sempre a ver se descobres coisas novas... não sei como nunca te cansas... O periquito azul inclinou ainda mais o pescoço. - Sou curioso, é só... – justificou-se – e também não percebo porque motivo tu és tão desinteressado... nunca tens perguntas? Nunca ficas curioso? O periquito esverdeado esboçou um movimento com o bico, vagamente semelhante a um sorriso. - Eu? Curioso? Para quê?... Por acaso algum dia me faltou o almoço ou o jantar? Nunca. Alguma vez fiquei sem as minhas deliciosas folhas de alface? Nunca. Porque haveria de ficar curioso? - Podias querer saber o que existe lá fora... O periquito esverdeado agitou-se, incomodado com a observação. - Lá fora ? ... Isso do “ Lá fora “ não existe... só tu mesmo é que passas os dias a falar desse “ Lá fora “... - Claro que existe... só não tenho é provas... - Claro que não tens provas. Isso do “ Lá fora “ é conversa fiada... Lá fora, é onde vivem os humanos e ponto final. Eles vivem lá fora... e nós vivemos cá dentro. E, com a asa esverdeada, fez um gesto teatral, apontando para a grade branca da gaiola. - Mas eu ... eu tenho que experimentar... – murmurou o periquito azulado – eu quero saber, eu preciso mesmo de saber.. O periquito esverdeado abanou a cabeça, em tom reprovador. - Não sejas tonto... aqui tens tudo o que precisas... comida da melhor qualidade.... uma casota de madeira onde te abrigas do frio e da chuva... uma gaiola limpa todos os dias... e um dia destes, até nos trazem umas moças bonitas, para nos alegrar os dias... que mais queres tu ? Nem te pedem nada em troca... - Claro que pedem. - Ora... isso nem é pedir... só querem que cantes assim de vez em quando, para os deixares felizes... e que consigas ser pai de muitas crias... muitas e muitas... isso é só o que eles querem... não me parece demasiado... O periquito azulado não estava convencido. - Mas sinto-me preso, aqui... Ao mesmo tempo que dizia isto, abriu as asas e voou até junto da porta entreaberta da gaiola. - O que vais tu fazer ? Não sejas louco... – gritou-lhe o periquito esverdeado. O periquito azulado não lhe prestou atenção. Com um gesto fácil do bico, empurrou a grade branca para cima e passou o corpo esguio para o lado exterior da gaiola. Do lado de fora, contemplou o colega de cativeiro, que tremia sobre poleiro de madeira. - Volta,... por favor, volta... vou ficar aqui sózinho... – lamentava-se ele. - Não posso... preciso de descobrir... o que existe aqui. - Mas esse mundo é perigoso... de certeza que é muito perigoso... O periquito azulado ensaiou um pequeno voo em redor da gaiola. Por um breve instante, o sabor inebriante da liberdade atravessou-lhe as penas coloridas, como um arrepio de frio intenso. Mas era um frio especial, um frio saboroso, uma lufada de ar mais fresco, mais... nem encontrava palavras para expressar o que estava a sentir naquele preciso momento. - Se tu pudesses sentir o que eu estou agora a sentir... perceberias – gritou ele, continuando a voar em redor da gaiola. O periquito esverdeado não percebia. - Volta, por favor... – gritou de novo O periquito azulado já não o ouvia. Com um leve bater de asas, ganhou altura, ultrapassou a janela aberta e desapareceu por entre a vegetação do jardim, chilreando freneticamente. O relógio tocara a sua hora da liberdade...
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O pequeno periquito inclinou a cabeça para o lado, naquele jeito tão particular que as aves têm, quando querem focar toda a atenção num único local.
- O que estás tu a ver, com tanta atenção? – quis saber o amigo esverdeado.
- Estou a olhar para a porta... – respondeu o periquito azul. Já reparaste nela?
O periquito esverdeado olhou na direcção indicada, mas não encontrou nada que lhe retivesse a atenção.
- ... Não vejo nada de especial... aliás, só mesmo tu é que andas sempre a ver se descobres coisas novas... não sei como nunca te cansas...
O periquito azul inclinou ainda mais o pescoço.
- Sou curioso, é só... – justificou-se – e também não percebo porque motivo tu és tão desinteressado... nunca tens perguntas? Nunca ficas curioso?
O periquito esverdeado esboçou um movimento com o bico, vagamente semelhante a um sorriso.
- Eu? Curioso? Para quê?... Por acaso algum dia me faltou o almoço ou o jantar? Nunca. Alguma vez fiquei sem as minhas deliciosas folhas de alface? Nunca. Porque haveria de ficar curioso?
- Podias querer saber o que existe lá fora...
O periquito esverdeado agitou-se, incomodado com a observação.
- Lá fora ? ... Isso do “ Lá fora “ não existe... só tu mesmo é que passas os dias a falar desse “ Lá fora “...
- Claro que existe... só não tenho é provas...
- Claro que não tens provas. Isso do “ Lá fora “ é conversa fiada... Lá fora, é onde vivem os humanos e ponto final. Eles vivem lá fora... e nós vivemos cá dentro.
E, com a asa esverdeada, fez um gesto teatral, apontando para a grade branca da gaiola.
- Mas eu ... eu tenho que experimentar... – murmurou o periquito azulado – eu quero saber, eu preciso mesmo de saber..
O periquito esverdeado abanou a cabeça, em tom reprovador.
- Não sejas tonto... aqui tens tudo o que precisas... comida da melhor qualidade.... uma casota de madeira onde te abrigas do frio e da chuva... uma gaiola limpa todos os dias... e um dia destes, até nos trazem umas moças bonitas, para nos alegrar os dias... que mais queres tu ? Nem te pedem nada em troca...
- Claro que pedem.
- Ora... isso nem é pedir... só querem que cantes assim de vez em quando, para os deixares felizes... e que consigas ser pai de muitas crias... muitas e muitas... isso é só o que eles querem... não me parece demasiado...
O periquito azulado não estava convencido.
- Mas sinto-me preso, aqui...
Ao mesmo tempo que dizia isto, abriu as asas e voou até junto da porta entreaberta da gaiola.
- O que vais tu fazer ? Não sejas louco... – gritou-lhe o periquito esverdeado.
O periquito azulado não lhe prestou atenção. Com um gesto fácil do bico, empurrou a grade branca para cima e passou o corpo esguio para o lado exterior da gaiola.
Do lado de fora, contemplou o colega de cativeiro, que tremia sobre poleiro de madeira.
- Volta,... por favor, volta... vou ficar aqui sózinho... – lamentava-se ele.
- Não posso... preciso de descobrir... o que existe aqui.
- Mas esse mundo é perigoso... de certeza que é muito perigoso...
O periquito azulado ensaiou um pequeno voo em redor da gaiola.
Por um breve instante, o sabor inebriante da liberdade atravessou-lhe as penas coloridas, como um arrepio de frio intenso.
Mas era um frio especial, um frio saboroso, uma lufada de ar mais fresco, mais... nem encontrava palavras para expressar o que estava a sentir naquele preciso momento.
- Se tu pudesses sentir o que eu estou agora a sentir... perceberias – gritou ele, continuando a voar em redor da gaiola.
O periquito esverdeado não percebia.
- Volta, por favor... – gritou de novo
O periquito azulado já não o ouvia. Com um leve bater de asas, ganhou altura, ultrapassou a janela aberta e desapareceu por entre a vegetação do jardim, chilreando freneticamente.
O relógio tocara a sua hora da liberdade...
( Estavas a falar de sensações, não era ? )
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